segunda-feira, 27 de maio de 2013

Um Convite ao Sonho...

Afinal, para que estamos aqui? Para onde estamos indo? Para onde queremos ir? O que queremos? Como queremos? Para que serve tudo isso?


       Leio, leio e releio o texto " Um Convite ao Voo", de Eduardo Galeano, e fico sempre admirado e maravilhado com tais palavras, sonhando com um mundo onde tudo o que ele escreveu é real, tocável e acessível a todos. Parece ser algo impossível, tão distante, tão difícil de acontecer, uma verdadeira Utopia. Parece o sonho de um cara louco que perdeu a noção da realidade e não percebe que isso tudo é impossível. Ao mesmo tempo que fico admirado com tais palavras, fico perplexo com minha forma de ver o que ele escreveu, e chegar a pensar que é impossível um mundo onde exista paz entre motoristas e pedestres, um mundo onde as pessoas pensem e reflitam a cerca das coisas, onde a televisão não seja mais importante do que brincar com o filho ou conversar com o vizinho, onde as pessoas trabalhem, mas também vivam e não sejam escravas do próprio trabalho, um mundo onde quantidade não signifique qualidade e o dinheiro não fale mais alto que o caráter, assim como a caridade não seja usada como propaganda. Enfim tantas e tantas coisas que poderiam ser diferentes, mas não são.
       Leio, leio e releio, volto a realidade e vejo que essas coisas não são impossíveis de acontecerem, mas que não acontecem ainda porque falta um pouco mais de vontade e desejo de querer transformar. Estamos condicionados a viver nessa sociedade sistemática, capitalista, machista, preconceituosa, desigual, entre outras tantas pragas, mas mais que isso, acomodados e com medo de fazer a diferença, pois fazer a diferença é um desafio, requer trabalho e sofrimento. Isso é coletivo, é uma força que tem que partir de todos, porém cada um de nós faz parte desse TODO. E aquela velha história de que se cada um fizer sua parte, podemos transformar... é muito real, é trabalho de cada um botar a mão na consciência e pensar na maneira como está agindo. Será que não está na hora de parar e refletir acerca de nossas atitudes? Para onde queremos ir desse jeito?! O absurdo passou a ser normal em nosso cotidiano! Desde quando que é normal e aceitável um ser humano como eu comer a comida que não me serve mais e que eu joguei no lixo? Desde quando é normal e aceitável ver um ser humano como eu dormindo e passando frio na calçada? Desde quando é normal e aceitável eu querer tirar proveito e vantagem ao máximo do trabalho de outra pessoa? Desde quando é normal e aceitável um jogador de futebol ter mais valor que um professor, e pior, um jogador de futebol ganhar em um mês o que um professor não ganha em uma vida toda trabalhando?! Pelo amor de Deus, o que é isso?! Precisamos de um BASTA!!
...

Mas voltando um pouco, é de pessoas assim como o Galeano, loucas (pois muitos consideram louca uma pessoa que acredita num mundo melhor), que se permitem por alguns instantes a parar de fazer o que fazem todos os dias, o ano todo, para imaginar um mundo e uma sociedade digna e boa para todos. De pessoas assim o mundo precisa, pessoas que se permitem sonhar e acreditar na felicidade.

Segue abaixo o texto " Um Convite ao Voo", de Eduardo Galeano. Leiam, pensem e acordem para sonhar... e principalmente, para agir!!!

Milênio vai, milênio vem, a ocasião é propícia para que os oradores de inflamado verbo discursem sobre os destinos da humanidade e para que os porta vozes da ira de Deus anunciem o fim do mundo e o aniquilamento geral, enquanto o tempo, de boca fechada, continua sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério.

Verdade seja dita, não há quem resista: numa data assim, por arbitrária que seja, qualquer um sente a tentação de perguntar-se como será o tempo que será. E vá-se lá saber como será. Temos uma única certeza: no século 21, se ainda estivermos aqui, todos nós seremos gente do século passado e , pior ainda, do milênio passado.

Embora não possamos adivinhar o tempo que será, temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar. Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível:

o ar estará livre de todo o veneno que não vier dos medos humanos e das paixões humanas; nas ruas os automóveis serão esmagados pelos cães; as pessoas não serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador; nem compradas pelo supermercado, nem olhadas pelo televisor; o televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupa;
as pessoas trabalharão para viver, em vez de viver para trabalhar; será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez, cometido por aqueles que vivem para ter e para ganhar, em vez de viver apenas por viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca;

em nenhum país serão presos os jovens que se negarem a prestar serviço militar, mas irão para a cadeia os que desejarem prestá-lo; os economistas não chamarão nível de vida de nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida a quantidade de coisas;

os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostam de serem fervidas vivas; os historiadores não acreditarão que os países gostam de ser invadidos; os políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas;

ninguém acreditará que a solenidade é uma virtude e ninguém levará a sério aquele que não for capaz de deixar de ser sério; a morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes e nem por falecimento ou fortuna o canalha será transformado em virtuoso cavaleiro; ninguém será considerado herói ou pascácio por fazer o que acha justo em lugar de fazer o que mais lhe convém;

o mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se em falência; a comida não será uma mercadoria e nem a informação um negócio, por que a comida e a informação são direitos humanos; ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão;

os meninos de rua não serão tratados como lixo, porque não haverá meninos de rua; os meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro, porque não haverá meninos ricos; a educação não será privilégio de quem possa pagá-la; a polícia não será o terror de quem não possa pagá-la; a justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, tornarão a unir-se, bem juntinhas, ombro contra ombro;

uma mulher, negra, será presidente do Brasil, e outra mulher, negra, será presidente dos Estados Unidos da América; e uma mulher índia governará a Guatemala e outra o Peru; na Argentina, as loucas da Praça de Mayo serão um exemplo de saúde mental, porque se negaram a esquecer dos tempos da amnésia obrigatória;

a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo; a Igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte"; serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma; os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperam de tanto esperar e os que se perdem de tanto procurar;

seremos compatriotas e contemporâneos de todos que tenham aspiração de justiça e aspiração de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem nem um pouco as fronteiras do mapa ou do tempo;

a perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas, neste mundo confuso e fastidioso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.

Eduardo Galeano. "Galeano De Pernas Pro Ar". Ed. LPM, disponível em http://www.consciencia.net/opiniao/arquivo/conviteaovoo.html.

Por Juliano Bgass

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