Afinal, para que estamos aqui? Para
onde estamos indo? Para onde queremos ir? O que queremos? Como
queremos? Para que serve tudo isso?
Leio, leio e releio o texto " Um Convite ao Voo", de Eduardo
Galeano, e fico sempre admirado e maravilhado com tais palavras,
sonhando com um mundo onde tudo o que ele escreveu é real, tocável
e acessível a todos. Parece ser algo impossível, tão distante, tão
difícil de acontecer, uma verdadeira Utopia. Parece o sonho de um
cara louco que perdeu a noção da realidade e não percebe que isso
tudo é impossível. Ao mesmo tempo que fico admirado com tais
palavras, fico perplexo com minha forma de ver o que ele escreveu, e
chegar a pensar que é impossível um mundo onde exista paz entre
motoristas e pedestres, um mundo onde as pessoas pensem e reflitam a
cerca das coisas, onde a televisão não seja mais importante do que
brincar com o filho ou conversar com o vizinho, onde as
pessoas trabalhem, mas também vivam e não sejam escravas do próprio
trabalho, um mundo onde quantidade não signifique qualidade e o
dinheiro não fale mais alto que o caráter, assim como a caridade
não seja usada como propaganda. Enfim tantas e tantas coisas que
poderiam ser diferentes, mas não são.
Leio, leio e releio, volto a realidade
e vejo que essas coisas não são impossíveis de acontecerem, mas
que não acontecem ainda porque falta um pouco mais de vontade e
desejo de querer transformar. Estamos condicionados a viver nessa
sociedade sistemática, capitalista, machista, preconceituosa,
desigual, entre outras tantas pragas, mas mais que isso, acomodados e
com medo de fazer a diferença, pois fazer a diferença é um
desafio, requer trabalho e sofrimento. Isso é coletivo, é uma força
que tem que partir de todos, porém cada um de nós faz parte desse
TODO. E aquela velha história de que se cada um fizer sua parte,
podemos transformar... é muito real, é trabalho de cada um botar a
mão na consciência e pensar na maneira como está agindo. Será que
não está na hora de parar e refletir acerca de nossas atitudes?
Para onde queremos ir desse jeito?! O absurdo passou a ser normal em
nosso cotidiano! Desde quando que é normal e aceitável um ser
humano como eu comer a comida que não me serve mais e que eu joguei
no lixo? Desde quando é normal e aceitável ver um ser humano como
eu dormindo e passando frio na calçada? Desde quando é normal e
aceitável eu querer tirar proveito e vantagem ao máximo do trabalho
de outra pessoa? Desde quando é normal e aceitável um jogador de
futebol ter mais valor que um professor, e pior, um jogador de
futebol ganhar em um mês o que um professor não ganha em uma vida
toda trabalhando?! Pelo amor de Deus, o que é isso?! Precisamos de
um BASTA!!
...
Mas voltando um pouco, é de pessoas assim como o Galeano, loucas (pois muitos consideram louca uma pessoa que acredita num
mundo melhor), que se permitem por alguns instantes a parar de fazer
o que fazem todos os dias, o ano todo, para imaginar um mundo e uma
sociedade digna e boa para todos. De pessoas assim o mundo precisa,
pessoas que se permitem sonhar e acreditar na felicidade.
Segue abaixo o texto " Um Convite ao Voo", de Eduardo Galeano. Leiam, pensem e acordem para sonhar... e principalmente, para agir!!!
Milênio vai, milênio vem, a ocasião
é propícia para que os oradores de inflamado verbo discursem sobre
os destinos da humanidade e para que os porta vozes da ira de Deus
anunciem o fim do mundo e o aniquilamento geral, enquanto o tempo, de
boca fechada, continua sua caminhada ao longo da eternidade e do
mistério.
Verdade seja dita, não há quem
resista: numa data assim, por arbitrária que seja, qualquer um sente
a tentação de perguntar-se como será o tempo que será. E vá-se
lá saber como será. Temos uma única certeza: no século 21, se
ainda estivermos aqui, todos nós seremos gente do século passado e
, pior ainda, do milênio passado.
Embora não possamos adivinhar o tempo
que será, temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja.
Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de
direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade só tem o
direito de ver, ouvir e calar. Que tal começarmos a exercer o jamais
proclamado direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos
fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo
possível:
o ar estará livre de todo o veneno que
não vier dos medos humanos e das paixões humanas; nas ruas os
automóveis serão esmagados pelos cães; as pessoas não serão
dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador; nem
compradas pelo supermercado, nem olhadas pelo televisor; o televisor
deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado
como o ferro de passar e a máquina de lavar roupa;
as pessoas trabalharão para viver, em
vez de viver para trabalhar; será incorporado aos códigos penais o
delito da estupidez, cometido por aqueles que vivem para ter e para
ganhar, em vez de viver apenas por viver, como canta o pássaro sem
saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca;
em nenhum país serão presos os jovens
que se negarem a prestar serviço militar, mas irão para a cadeia os
que desejarem prestá-lo; os economistas não chamarão nível de
vida de nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida a
quantidade de coisas;
os cozinheiros não acreditarão que as
lagostas gostam de serem fervidas vivas; os historiadores não
acreditarão que os países gostam de ser invadidos; os políticos
não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas;
ninguém acreditará que a solenidade é
uma virtude e ninguém levará a sério aquele que não for capaz de
deixar de ser sério; a morte e o dinheiro perderão seus mágicos
poderes e nem por falecimento ou fortuna o canalha será transformado
em virtuoso cavaleiro; ninguém será considerado herói ou pascácio
por fazer o que acha justo em lugar de fazer o que mais lhe convém;
o mundo já não estará em guerra
contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não
terá outro remédio senão declarar-se em falência; a comida não
será uma mercadoria e nem a informação um negócio, por que a
comida e a informação são direitos humanos; ninguém morrerá de
fome, porque ninguém morrerá de indigestão;
os meninos de rua não serão tratados
como lixo, porque não haverá meninos de rua; os meninos ricos não
serão tratados como se fossem dinheiro, porque não haverá meninos
ricos; a educação não será privilégio de quem possa pagá-la; a
polícia não será o terror de quem não possa pagá-la; a justiça
e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas,
tornarão a unir-se, bem juntinhas, ombro contra ombro;
uma mulher, negra, será presidente do
Brasil, e outra mulher, negra, será presidente dos Estados Unidos da
América; e uma mulher índia governará a Guatemala e outra o Peru;
na Argentina, as loucas da Praça de Mayo serão um exemplo de saúde
mental, porque se negaram a esquecer dos tempos da amnésia
obrigatória;
a Santa Madre Igreja corrigirá os
erros das tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se
festeje o corpo; a Igreja também ditará outro mandamento, do qual
Deus se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte";
serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma; os
desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados,
porque eles são os que se desesperam de tanto esperar e os que se
perdem de tanto procurar;
seremos compatriotas e contemporâneos
de todos que tenham aspiração de justiça e aspiração de beleza,
tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham
vivido, sem que importem nem um pouco as fronteiras do mapa ou do
tempo;
a perfeição continuará sendo um
aborrecido privilégio dos deuses; mas, neste mundo confuso e
fastidioso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada
dia como se fosse o primeiro.
Eduardo Galeano. "Galeano De Pernas Pro Ar". Ed. LPM, disponível em http://www.consciencia.net/opiniao/arquivo/conviteaovoo.html.
Por Juliano Bgass
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