quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Percebendo o teatro como um diluidor de fronteiras entre as gerações

UMA TROCA DE CONHECIMENTOS MÚTUOS: PERCEBENDO O TEATRO COMO UM DILUIDOR DE FRONTEIRAS ENTRE GERAÇÕES DISTINTAS 

Autor: VIEIRA, Lumilan Noda 

Palavras-chave: Integração, Comunidade, Gerações
     No ano de 2010 em paralelo à minha formação acadêmica, período que abrangeu o terceiro e quarto semestre da faculdade, recebi o convite para ir ministrar oficinas de teatro abertas à comunidade numa ONG em Herval; aceitei a proposta e passei a ser então um multiplicador do teatro pois, durante aquele tempo, vinha me apropriando aos poucos daquilo que aprendia no ambiente universitário. Através do trabalho voluntário pude observar a forma como era dada a organização das turmas as quais eram divididas basicamente em três: crianças; adolescentes; e adultos. Essa separação fez com que eu planejasse a metodologia das aulas para cada uma desses grupos de forma diferente, afinal, para cada turma com sua respectiva faixa etária a metodologia empregada deveria ser condizente ao seu contexto (interesses, capacidades, particularidades). Os participantes nas oficinas de teatro vinham de bairros diferentes sendo a ONG, assim, um espaço de encontro comum entre essas pessoas moradoras de bairros distintos. No entanto a forma dividida em que as turmas me foram apresentadas na ONG faziam com que meu planejamento para com as aulas variasse muito de um grupo para outro, não havendo, portanto, momento de coletividade e integração plena entre os três grupos.
     Este artigo procura traçar uma reflexão otimista que expõe duas possibilidades, de certa forma distintas, para se trabalhar o teatro na comunidade. A primeira delas diz respeito ao tradicional dividir/separar as turmas por conta das faixas etárias, bem como procurei exemplificar no parágrafo primeiro. Enquanto que a segunda, em contrapartida, está na busca por integrar propositalmente todos os grupos participantes, independentemente da faixa etária da qual vierem a fazer parte. Esse segundo pensamento, além de ter sido a mola propulsora para a escrita deste ensaio, é o que pretendo aqui defender e tornar foco de reflexão. Para isso estarei partindo da minha experiência enquanto ministrante-observador do 1° Encontrão de Teatro, realizado em janeiro de 2013 por nossa turma, em conjunto com as professoras Maria Amélia Netto e Ângela Balzano pela disciplina Estágio III (estágio em comunidade).
     O 1° Encontrão de Teatro foi promovido no dia 13 de janeiro de 2013, domingo, com duração de 6 horas no prédio do curso de Teatro. As comunidades participantes foram aquelas com as quais nós já vínhamos, desde o início do 8° semestre, realizando os nossos estágios. São moradores dos bairros Navegantes, Dunas, Centro, Getúlio Vargas e Areal. O evento, no curso de teatro da UFPel idealizado pela professora Maria Amélia, propunha que as diferentes comunidades se juntassem num único encontro e assim experimentassem, num único dia, oficinas que abrangem a linguagem teatral em suas diversas formas. Assim as 5 comunidades puderam escolher entre as 6 oficinas de teatro diferentemente oferecidas: Clown, Contação de Histórias, Corpo & Voz Maquiagem, Improvisação e Rádio Novela. Por questões de organização a divisão das turmas foi sorteada de forma que cada pessoa iria participar de até duas oficinas. Isso fez com que se criasse uma integração, ao acaso, percebida por mim sobre dois aspectos interessantes: 1- imediatamente estava firmado o contato entre indivíduos de comunidades diferentes, os quais até então não se conheciam; 2- dentre os que ficaram no mesmo grupo havia desde crianças na faixa dos 5 anos de idade até pessoas idosas.
     Da oficina de improvisação a qual ministrei junto com duas colegas, participaram também crianças, adolescentes e adultos conjuntamente no mesmo grupo. Ainda pensando as contribuições da improvisação teatral para o indivíduo que a pratica, vale a observação de Beatriz Pinto Venancio em seu artigo Porções de memória: oficina de teatro com idosos: “Apoiadas nas vivências dos participantes [...] as improvisações revelaram a diversidade de origens, de experiências culturais e profissionais”.(VENANCIO, Teatro e Dança como experiência comunitária, p 149)
     Já em outra oficina que observei no encontrão parei para analisar as práticas de Clown que estavam sendo exploradas no tablado: os participantes estavam fazendo um exercício de desinibição em que a única regra era um dançar esquisito para o outro,as duplas do jogo iam trocando de par de tempos em tempos. As interações entre os participantes aconteceram com todas as possibilidades: uma criança com um adulto, um adulto com um adolescente, uma idosa com uma criança e uma adolescente com uma idosa, a diversidade das relações se apresentava descontraída e fluidamente entre as diferentes faixas etárias, portanto.
     Mediante uma cultura na qual não raro os grupos sociais buscam divisões e subdivisões (seja por idade, ideologias ou outro fator) o teatro tem aparecido como uma forma que instiga, reata e pode quebrar dogmas sociais que dizem respeito às relações entre as pessoas. Tal observação pude constatar através da experiência com o encontrão.
Quando o sujeito joga, inventa uma conduta fictícia, constrói uma forma, entra em uma prática comum, pois ele joga com um parceiro, sob o olhar dos outros. Partilha algo, Expõe-se generosamente. A história que se conta é de todos, mas a maneira de participar de sua invenção lhe pertence, e é isso que oferece aos outros [...] (Voltz,1991, pp.113-9). (VENANCIO, 2004, p 152).
     Nesse trecho Beatriz Venancio nos ajuda a compreender que a relação mútua decorrente das práticas teatrais proporciona, entre os envolvidos, uma troca que vai além da descoberta individual de um simples potencial criativo. Através da relação com o outro proporcionada pela experiência teatral, há espaço para a construção coletiva em que o material criativo contribuirá sempre de forma única com os integrantes envolvidos. Desse modo, entendo que a maneira introsada e diversificada como ocorreram as atividades do encontrão tiveram suas contrbuições no sentido de que todos puderam partilhar com o outro um ato de criação única.          O que possibilita para o outro ir ao encontro de significados que lhe cabe atribuir e assim tornar artístico e efêmero o que percebeu no exercício do colega.
     Evidentemente que no planejamento das aulas que acontecerão de forma mista entre as idades, deve-se sempre levar em consideração as limitações físicas e os cuidados particulares de cada pessoa envolvida. No mesmo texto, Venancio fala que amparou-se inclusive “em conselhos de terapeutas corporais sobre exercícios prejudiciais aos hipertensos e aos que sofriam de labirintite e problemas posturais”. A exemplo disso, a mesma autora expressa, a seguir, sobre cuidados fundamentais que, ao ministrar uma oficina para idosos, teve de tomar levando em conta sobre tudo a flexibilidade de adaptação e relaboração das atividades propostas:
[…] a continuidade do processo [da oficina] exigiu a criação de um modo próprio de trabalhar com o grupo. Comecei a modificar jogos e exercícios, muitas vezes por impossibilidade física dos participantes ou porque as pessoas não despertavam o desejo de jogar […] (VENANCIO, 2004, p 150)
     Considerando a existência da possibilidade de escolher a integração total entre turmas de teatro de uma determinada comunidade, é cabível, para o fechamento deste artigo o levantamento da seguinte questão: até que ponto o introsamento entre diferentes faixas etárias não é, além de uma mera possibilidade no teatro, profundamente necessária aos grupos?
   É importante propiciar o convívio harmônico e respeitoso entre indivíduos que se diferenciam em termos de geração e percebo o teatro como uma ferramenta possibilitadora nesse sentido. As gerações vistas temporalmente como mais distantes umas das outras (principalmente entre jovens e idosos) geralmente apontam ideologias radicalmente diferentes e por vezes conflitantes devido ao processo natural de transformação dos preceitos culturais. Deste modo penso no teatro não apenas como instrumento de aproximação e socialização entre esses grupos, mas como forma de entender o outro e, a partir dessa diluição de fronteiras, se constituir uma quebra mútua de pré-conceitos.

Referências:
Teatro e dança como experiência comunitária: Porções de memória: oficina de teatro com idosos (VENANCIO, Beatriz Pinto, 2004)

Post por Lumilan Noda

Nenhum comentário:

Postar um comentário