UMA TROCA DE CONHECIMENTOS MÚTUOS: PERCEBENDO O TEATRO COMO UM DILUIDOR DE FRONTEIRAS ENTRE GERAÇÕES DISTINTAS
Autor: VIEIRA, Lumilan Noda
Palavras-chave: Integração, Comunidade, Gerações
No ano de 2010 em paralelo à
minha formação acadêmica, período que abrangeu o terceiro e
quarto semestre da faculdade, recebi o convite para ir ministrar
oficinas de teatro abertas à comunidade numa ONG em Herval; aceitei
a proposta e passei a ser então um multiplicador do teatro pois,
durante aquele tempo, vinha me apropriando aos poucos daquilo que
aprendia no ambiente universitário. Através do trabalho voluntário
pude observar a forma como era dada a organização das turmas as
quais eram divididas basicamente em três: crianças; adolescentes; e
adultos. Essa separação fez com que eu planejasse a metodologia das
aulas para cada uma desses grupos de forma diferente, afinal, para
cada turma com sua respectiva faixa etária a metodologia empregada
deveria ser condizente ao seu contexto (interesses, capacidades,
particularidades). Os participantes nas oficinas de teatro vinham de
bairros diferentes sendo a ONG, assim, um espaço de encontro comum
entre essas pessoas moradoras de bairros distintos. No entanto a
forma dividida em que as turmas me foram apresentadas na ONG faziam
com que meu planejamento para com as aulas variasse muito de um grupo
para outro, não havendo, portanto, momento de coletividade e
integração plena entre os três grupos.
Este artigo procura traçar
uma reflexão otimista que expõe duas possibilidades, de certa forma
distintas, para se trabalhar o teatro na comunidade. A primeira delas
diz respeito ao tradicional dividir/separar as
turmas por conta das faixas etárias, bem como procurei
exemplificar no parágrafo primeiro. Enquanto que a segunda, em
contrapartida, está na busca por integrar propositalmente
todos os grupos participantes, independentemente da faixa etária da
qual vierem a fazer parte. Esse segundo pensamento, além de ter sido
a mola propulsora para a escrita deste ensaio, é o que pretendo aqui
defender e tornar foco de reflexão. Para isso estarei partindo da
minha experiência enquanto ministrante-observador do 1°
Encontrão de Teatro, realizado em janeiro de 2013 por nossa
turma, em conjunto com as professoras Maria Amélia Netto e Ângela
Balzano pela disciplina Estágio III (estágio em comunidade).
O 1° Encontrão de Teatro
foi promovido no dia 13 de janeiro de 2013, domingo, com duração de
6 horas no prédio do curso de Teatro. As comunidades participantes
foram aquelas com as quais nós já vínhamos, desde o início do 8°
semestre, realizando os nossos estágios. São moradores
dos bairros Navegantes, Dunas, Centro, Getúlio Vargas e Areal. O
evento, no curso de teatro da UFPel idealizado pela professora Maria
Amélia, propunha que as diferentes comunidades se juntassem
num único encontro e assim experimentassem, num único dia, oficinas
que abrangem a linguagem teatral em suas diversas formas. Assim as 5
comunidades puderam escolher entre as 6 oficinas de teatro
diferentemente oferecidas: Clown,
Contação de Histórias, Corpo
& Voz Maquiagem, Improvisação e Rádio Novela. Por
questões de organização a divisão das turmas foi sorteada de
forma que cada pessoa iria participar de até duas oficinas. Isso fez
com que se criasse uma integração, ao acaso, percebida por mim
sobre dois aspectos interessantes: 1- imediatamente estava firmado o
contato entre indivíduos de comunidades diferentes, os quais até
então não se conheciam; 2- dentre os que ficaram no mesmo grupo
havia desde crianças na faixa dos 5 anos de idade até pessoas
idosas.
Da
oficina de improvisação a qual ministrei junto com duas colegas,
participaram também crianças, adolescentes e adultos conjuntamente
no mesmo grupo. Ainda pensando as contribuições da improvisação
teatral para o indivíduo que a pratica, vale a observação de
Beatriz Pinto Venancio em seu artigo Porções de memória:
oficina de teatro com idosos:
“Apoiadas nas vivências dos participantes [...] as improvisações
revelaram a diversidade de origens, de experiências culturais e
profissionais”.(VENANCIO, Teatro e Dança como experiência
comunitária, p 149)
Já
em outra oficina que observei no encontrão parei para analisar as
práticas de Clown que
estavam sendo exploradas no tablado: os participantes estavam fazendo
um exercício de desinibição em que a única regra era um dançar
esquisito para o outro,as duplas do jogo iam trocando de par de
tempos em tempos. As interações entre os participantes aconteceram
com todas as possibilidades: uma criança com um adulto, um adulto
com um adolescente, uma idosa com uma criança e uma adolescente com
uma idosa, a diversidade das relações se apresentava descontraída
e fluidamente entre as diferentes faixas etárias, portanto.
Mediante uma cultura na qual
não raro os grupos sociais buscam divisões e subdivisões (seja por
idade, ideologias ou outro fator) o teatro tem aparecido como uma
forma que instiga, reata e pode quebrar dogmas sociais que dizem
respeito às relações entre as pessoas. Tal observação pude
constatar através da experiência com o encontrão.
Quando o sujeito joga, inventa
uma conduta fictícia, constrói uma forma, entra em uma prática
comum, pois ele joga com um parceiro, sob o olhar dos outros.
Partilha algo, Expõe-se generosamente. A história que se conta é
de todos, mas a maneira de participar de sua invenção lhe pertence,
e é isso que oferece aos outros [...] (Voltz,1991, pp.113-9).
(VENANCIO, 2004, p 152).
Nesse trecho Beatriz Venancio
nos ajuda a compreender que a relação mútua decorrente das
práticas teatrais proporciona, entre os envolvidos, uma troca que
vai além da descoberta individual de um simples potencial criativo.
Através da relação com o outro proporcionada pela experiência
teatral, há espaço para a construção coletiva em que o material
criativo contribuirá sempre de forma única com os integrantes
envolvidos. Desse modo, entendo que a maneira introsada e
diversificada como ocorreram as atividades do encontrão tiveram suas
contrbuições no sentido de que todos puderam partilhar com o outro
um ato de criação única. O que possibilita para o outro ir ao
encontro de significados que lhe cabe atribuir e assim tornar
artístico e efêmero o que percebeu no exercício do colega.
Evidentemente que no
planejamento das aulas que acontecerão de forma mista entre as
idades, deve-se sempre levar em consideração as limitações
físicas e os cuidados particulares de cada pessoa envolvida. No
mesmo texto, Venancio fala que amparou-se inclusive “em conselhos
de terapeutas corporais sobre exercícios prejudiciais aos
hipertensos e aos que sofriam de labirintite e problemas posturais”.
A exemplo disso, a mesma autora expressa, a seguir, sobre cuidados
fundamentais que, ao ministrar uma oficina para idosos, teve de tomar
levando em conta sobre tudo a flexibilidade de adaptação e
relaboração das atividades propostas:
[…]
a continuidade do processo [da oficina] exigiu a criação de um modo
próprio de trabalhar com o grupo. Comecei a modificar jogos e
exercícios, muitas vezes por impossibilidade física dos
participantes ou porque as pessoas não despertavam o desejo de jogar
[…] (VENANCIO, 2004, p 150)
Considerando a existência da
possibilidade de escolher a integração total entre turmas de teatro
de uma determinada comunidade, é cabível, para o fechamento deste
artigo o levantamento da seguinte questão: até que ponto o
introsamento entre diferentes faixas etárias não é, além de uma
mera possibilidade no teatro, profundamente necessária aos grupos?
É importante propiciar o
convívio harmônico e respeitoso entre indivíduos que se
diferenciam em termos de geração e percebo o teatro como uma
ferramenta possibilitadora nesse sentido. As gerações vistas
temporalmente como mais distantes umas das outras (principalmente
entre jovens e idosos) geralmente apontam ideologias radicalmente
diferentes e por vezes conflitantes devido ao processo natural de
transformação dos preceitos culturais. Deste modo penso no teatro
não apenas como instrumento de aproximação e socialização entre
esses grupos, mas como forma de entender o outro e, a partir dessa
diluição de fronteiras, se constituir uma quebra mútua de
pré-conceitos.
Referências:
Teatro e dança
como experiência comunitária: Porções de memória: oficina de
teatro com idosos (VENANCIO,
Beatriz Pinto, 2004)
Post por Lumilan Noda
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